sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012


Vamos exercitar um pouquinho nossa capacidade de interpretação textual?
Um sonho de simplicidade
Então, de repente, no meio dessa desarrumação feroz
da vida urbana, dá na gente um sonho de simplicidade. Será um sonho vão? Detenho-me um instante, entre duas providências a tomar, para me fazer essa pergunta. Por que fumar tantos cigarros? Eles não me dão prazer algum; apenas me fazem falta. São uma necessidade que inventei. Por que beber uísque, por que procurar a voz de mulher na penumbra ou os amigos no bar para dizer coisas vãs, brilhar um pouco, saber intrigas?

Uma vez, entrando numa loja para comprar uma gravata, tive de repente um ataque de pudor, me surpreendendo assim, a escolher um pano colorido para amarrar ao pescoço. Mas, para instaurar uma vida mais simples e sábia, seria preciso ganhar a vida de outro jeito, não assim, nesse comércio de pequenas pilhas de palavras, esse ofício absurdo e vão de dizer coisas, dizer coisas... Seria preciso fazer algo de sólido e de singelo; tirar areia do rio, cortar lenha, lavrar a terra, algo de útil e concreto, que me fatigasse o corpo, mas deixasse a alma sossegada e limpa.
Todo mundo, com certeza, tem de repente um sonho assim. É apenas um instante. O telefone toca. Um momento! Tiramos um lápis do bolso para tomar nota de um nome, de um número... Para que tomar nota? Não precisamos tomar nota de nada, precisamos apenas viver sem nome, nem número, fortes, doces, distraídos, bons, como os bois, as mangueiras e o ribeirão.

(Rubem Braga, 200 crônicas escolhidas)

1. Em seu sonho de simplicidade, o cronista Rubem Braga
idealiza sobretudo:

(A) uma depuração maior no seu estilo de escrever,
marcado por excessivo refinamento.
(B) as pequenas necessidades da rotina, que cada um
de nós cria inconscientemente.
(C) uma relação mais direta e vital do homem com os
demais elementos da natureza.
(D) o aperfeiçoamento do espírito, por meio de reflexões
constantes e disciplinadas.
(E) a paixão ingênua que pode nascer com a voz de
uma mulher na penumbra.

2. Considere as seguintes afirmações:

I. O cronista condiciona a conquista de uma vida mais
simples à possibilidade de viver sem precisar
produzir nada, sem executar qualquer tipo de
trabalho, afora o da pura imaginação.
II. Alimentar um tal um sonho de simplicidade é, na
perspectiva do cronista, uma característica
exclusiva dos escritores que não mantêm relações
mais concretas com o mundo.
III. Cigarros, gravatas e telefones são elementos
utilizados pelo cronista para melhor concretizar o
mundo que representa uma antítese ao seu sonho
de simplicidade.
Em relação ao texto, está correto SOMENTE o que se
afirma em:

(A) I.
(B) II.
(C) III.
(D) I e II.
(E) II e III.
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3. Na frase:

Mas, para instaurar uma vida mais simples e sábia, seria preciso ganhar a vida de outro jeito, não assim, nesse comércio de pequenas pilhas de palavras, esse ofício absurdo e vão de dizer coisas, dizer coisas...

o cronista
(A) ressalta, com a repetição de dizer coisas, a
importância de seu trabalho de escritor, pelo qual
revela aos outros as verdades mais profundas.
(B) justifica com a expressão comércio de pequenas
pilhas de palavras a visão depreciativa que tem de
seu próprio ofício.
(C) apresenta como conseqüência de instaurar uma vida
mais simples e sábia o fato de ganhar a vida de
outro jeito.
(D) utiliza a expressão não assim para apontar uma restrição
à vida que seria preciso ganhar de outro jeito.
(E) se vale da expressão ofício absurdo e vão para
menosprezar o trabalho dos escritores que se
recusam a profissionalizar-se.

GABARITO:

001 C

002 C

003 B 



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